Seis cartas de amor – edição #4
Uma carta sobre compaixão, conexão e o que nos resta quando tudo parece ruir, o amor que sustenta o mundo invisível.
Oi, amor(a)!
Hoje vamos mergulhar em Ágape (ἀγάπη), o amor universal e incondicional que nasce no coração e se espalha por toda a humanidade. Na Grécia Antiga, Ágape era o termo mais elevado de amor: não era o desejo de Eros, nem a cumplicidade de Philia, mas o dar sem esperar nada em troca. Surgiu como princípio ético — o mandamento de amar o próximo como a si mesmo — e foi abraçado por religiões e filosofias, do Cristianismo às tradições indígenas. Ágape é o amor que serve, que se comove com a dor alheia e encontra propósito na caridade, e mesmo sem sabermos, a gente sente ele todos os dias.
Conexão com causas, humanidade e espiritualidade
Desde pequena, eu sempre fui muito chorona. Chorava em filme de cachorro, em história de família, em tragédia comovente... e em qualquer cena de fé. Não era só pelo sofrimento alheio, era por um sentimento que nascia dentro de mim, um laço que se formava com aquilo. Eu me apegava aos personagens, eles se tornavam reais, vivos dentro de mim e a morte de qualquer um me fazia sentir que tinha perdido algo, e talvez tivesse mesmo.
Esse sentir profundo foi crescendo comigo. Quando a pandemia chegou, eu me afastei das redes sociais porque doía demais ver tanta morte, tanta perda, tanta ausência. Doía como se fosse comigo, como se cada corpo fosse alguém da minha família. E foi assim também nas enchentes do Rio Grande do Sul, o luto coletivo me lembrou da pandemia. O luto é coletivo porque o amor é coletivo. Eu chorei por todos como se cada animal, cada lar destruído, estivesse dentro de mim também. E, mais ainda, chorei pela esperança que nasceu nos gestos das pessoas: um barco tirado da garagem para salvar um vizinho, alguém doando o que não tinha. Gente salvando gente. Isso, pra mim, é Ágape, essa esperança após o caos.
Eu vejo também como causas sociais transformam vidas. Penso em quantas pessoas são expulsas de casa apenas por serem quem são, quantas mães perdem filhos por preconceito. E a vontade que me domina é de agir, de dar voz, de compartilhar essas histórias. Adotei como missão levar informação, usar meu espaço para amplificar quem está sem microfone. Aquele impulso de empatia transborda em mim sem pedir nada em troca.
Talvez por isso a Umbanda tenha feito tanto sentido pra mim, ela me ensinou que não se ama esperando algo em troca. Foi minha avó que me ensinou isso primeiro, ela era uma “bruxa natural” e muito católica! Fazia chá, benzia, orava, e me curava com ervas e com fé. E foi ali, entre as rezas e os galhos de arruda, que eu aprendi a amar com as mãos e não só com palavras. Na fé de Ogum Rompe Mato, eu aprendi que cada um chega à Terra com uma missão e que a Umbanda é caridade, amar ao próximo, oferecer auxílio, entender o outro como extensão do nosso próprio ser — esse é o amor que me guia.
A bruxaria natural, que conheci por curiosidade aos 13 anos, me conectou ainda mais com a Terra, com o vento, com as folhas, com os ciclos. Amar o mundo também é um tipo de Ágape, não tem retorno. Você cuida do que nem é seu, cuida do que vai viver depois de você, e isso me ensinou que existe algo maior entre nós e o invisível.
Gestos silenciosos — amor que não precisa ser dito
Mas Ágape também está nas pequenas gentilezas do dia a dia. Lembro da minha mãe, no ônibus, entregando moedas aos pedintes: ao “Rafael” que oferecia bombons para pagar o leite do filho, à mãe que exibia o filho deficiente para comprovar a necessidade. Vi minha mãe dar um valor simbólico, não por obrigação, mas porque sabia que aquilo salvava um dia.
E eu reproduzi esse gesto, lembro de quando estava na UPA, sentada há horas com dor, e vi um casal à minha frente em situação parecida. A sacola deles havia rasgado, então eu tirei o pote da minha e entreguei a sacola pra eles, um gesto bobo? Talvez. Mas ali, no silêncio daquela troca, havia amor e empatia.
Esse é o amor que minha mãe também pratica, e me ensinou. Dava moeda no ônibus, comprava de quem vendia pra viver. Mesmo que fosse o mesmo "Rafael" sempre, porque o nome não importa! A fome é real, e isso ficou em mim.
Por fim, meu coração guarda todos os atos de compaixão que recebi e ofereci. Porque Ágape não escolhe rostos, não faz distinções. É um amor que chora, que acolhe, que serve — e que se reflete em cada gesto, do mais grandioso ao mais singelo.
A ternura que me constrói
Ágape é o amor que não espera retorno — é movimento contínuo, é ponte estendida, é compromisso com a vida. É chorar pelos que sofrem e permanecer de mãos dadas, seja num abraço, num donativo ou num simples gesto de presença. Que possamos sempre lembrar: quando servimos de coração, sem condições, nós também somos servidos por um amor que nos completa.
Que a gente possa praticar esse amor silencioso, compassivo e valente todos os dias. Mesmo quando ninguém estiver vendo.
E você, quando foi a última vez que você se comoveu com a dor de alguém que não conhece? Qual ato de caridade cotidiana você cultiva, mesmo sem perceber? Em que causa social você gostaria de investir parte do seu coração?
Na próxima edição, chegamos ao quinto tipo de amor: Ludus, o jogo leve e brincalhão que colore nossos encontros.
Por amor(a), sempre.